É comum, nesta época do ano, cristãos se oporem ao carnaval, denunciando sua futilidade e devassidão. No entanto, a vida cristã vai além de reprovar; ela deve propor uma postura ativa, comprometida com os valores do Reino de Cristo (Ef 4.22-24). Uma resposta a esse desafio é a observância da Quaresma. Neste artigo, convido você a refletir sobre essa prática e o que podemos fazer durante esse período.
A Quaresma é um período do calendário litúrgico que marca os 40 dias que antecedem a Páscoa. Marcada por oração, jejum e caridade (Mt 6.1-18), origina-se nos primeiros séculos do Cristianismo. Hoje, está mais associada ao Catolicismo Romano, mas outras tradições cristãs, como o Anglicanismo, também a observam. Nós, como reformados, não adotamos oficialmente o calendário litúrgico nem dias sagrados além do Dia do Senhor, o domingo. Calvino foi claro ao apontar as razões para não observar a Quaresma e vê-la como supersticiosa.
1. A Quaresma não tem fundamentação bíblica. O jejum de Moisés, Elias e Jesus não é prescritivo, ou seja, não foi registrado para que o imitemos como imposição. Além disso, não há nada no texto bíblico que relacione esses jejuns à ressurreição de Jesus.
2. A Quaresma proíbe alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças. A proibição do consumo de carnes vermelhas, além de não ter fundamento escriturístico, é impiedade, pois contradiz 1Tm 4.3, onde Paulo rejeita a falsa “piedade” que restringe o que Deus oferece como graça tratando como mal.
3. O jejum da Quaresma não tem caráter meritório. Nem todos que a observam concordam com a ideia de mérito. No entanto, dentro do Catolicismo Romano, a penitência nesse período é vista como resposta à graça de Deus, meio de santificação e conversão, e pode estar ligada à ideia de cooperação com a graça na caminhada para a salvação.
Diante do carnaval e da rejeição da observância forçada da Quaresma, o que a tradição reformada propõe? Basicamente, ela reforça o que Lutero declarou na primeira das 95 Teses contra as indulgências: “Quando nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo disse: ‘Arrependei-vos’ (Mt 4.17), Ele quis que toda a vida dos fiéis fosse um arrependimento.” Aqui, Lutero contrapõe uma vida de “atos externos e pontuais de penitência” a uma postura continuamente marcada pelo arrependimento. Com isso, propomos:
1. Uma vida de constante fé e arrependimento. O cristão não deve ter períodos específicos de arrependimento, mas diariamente ir ao trono da graça, pedindo perdão por seus pecados.
2. Uma vida de constante jejum e busca por Deus. Para nós, o jejum não é uma barganha com Deus nem um sacrifício meritório, mas uma liberdade de abrir mão temporariamente de coisas necessárias para buscar Aquele que é absolutamente necessário.
3. Uma vida de constante misericórdia para com os necessitados. O cristão não precisa de épocas ou dias especiais para ser generoso, mas deve ter uma vida marcada pela generosidade e pelo amor aos menos favorecidos.
Por isso, viva ativamente uma vida de constante oração, arrependimento, generosidade e devoção a Deus. Que isso se estenda por toda a vida, e não apenas por um período.
Em Cristo, Rev. Günther